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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A perene crise das cerebrais mulheres de Woody Allen

a sensível e inteligente Tracy não entrou na lista apenas por não ser neurótica, mas merece destaque no quesito amorzinho

    Vocês devem estar pensando: De novo essa menina falando de mulher, papel da mulher, poder da mulher... E, sim, de novo eu aqui falando de mulher. Mas explico, escrevo coisas sobre o que me chamam atenção e o que me chamou atenção em Interiores (grande filme, à propósito) foi as mulheres que o Woody cria, tão inteligentes mas tão instáveis - que existem não só nos seus roteiros como na vida real.
    São muitas as mulheres nos filmes do Woody, suas musas são uma espécie de seiva que fornece inspiração, por isso escolhi algumas mulheres - fui ordenando pelas que eu lembrava, afinal são anos e anos de Woody Allen na minha vida então é normal embaralhar ou esquecer trechos de algumas películas.
*alerta spoiller da resenha: Vai ter muita Diane Keaton, sim*
(aqui vai uma ressalva, não vou falar das mulheres que se mantém passivas ou inexpressivas, não que elas não mereçam seu espaço ou sejam inferiores, longe disso, mas porque o tema são as intelectuais neuróticas - com as quais me identifico plenamente)

-Mary Wilkie, em Manhattan:
“I'm from Philadelphia, we believe in God.”


    Marry é tão mulher como qualquer outra, digo mais, Mary é um ser humano qualquer. Seria. Seria anyone se não fosse uma personagem escrita por Woody Allen e interpretada por Diane Rainha Keaton. A cada filme do Woody, Diane encara uma proposta diferente, neste ela é Mary Wilkie - a jornalista. Durante o filme, percebemos que Miss Wilkie tinha tudo para ser estóica (que, trocando em miúdos, significa alguém que despreza o sentimental em detrimento ao intelecto) mas como uma boa personagem do sentimental enxuto Woody Allen, ao contrário disso, tem uma carga emocional muito forte. Ela é de Philadelphia, o que para ela significa o berço da moral e dos bons costumes, mas mesmo assim se entrega a um affaire que - lhe parece - etéreo além de físico. Não vou entrar no cerne da questão do relacionamento com o Yale Pollack - que é bem menos perecível que pensávamos - ou do relacionamento com o Isaac Davis - que embora também emocional seja mais casual. Volta e meia nos deparamos com uma crise, Marry - um ser tão racional - não sabe lidar com crises no âmbito imaterial. Arrega facilmente, incorre no mesmo erro - mesmo sendo de Philadelphia, as pessoas não são assim lá - são equilibradas, fraternais (como diz o próprio nome), onde as pessoas não podem errar. Mas ela erra, ela externa isso e - em determinados momentos do longa (como quando não quer que Yale se separe da esposa, para morarem juntos, "porque as pessoas de Philadelphia não destroem casamentos", mas acaba consentindo e acordando com a saída do outro de casa) - Marie expressa abertamente sua exata ciência de que é problemática, sim. Tão problemática quanto se pode ser, quando se desmancha em emoções explicitamente, enquanto trabalha em todos aqueles manuscritos e fuma ou beberica seu vinho.
(claro que tem aquele clichezinho do analista que tem intimidade demais com a paciente e dela fumar como uma Maria fumaça, mas nada que não seja perdoado pela atuação da Keaton e pelo arranjo do Allen)

tanto amor por essa imagem que é meu plano de fundo há tantos anos <3

-Lee, em Hannah And Her Sisters (ou E Suas Irmãs, no bom português br): 
Lee apresenta sentimentos de culpa e desejo, tão humana quanto qualquer um de nós

{Primeiro de tudo, nessa obra-prima, que tem minha alma, Woody traz as citações mais humanas e intimistas seja a de E.E. Cummings "ninguémnem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas" - vulgo: do cacete! e não menos importante uma de Woody By Woody "O coração é um músculo muito elástico" - ainda bem!}


*esse filme não consegui baixar e como não reassisti  vou ter que ir de memória - e de coração. claro*

as sisters, de costas Hannah - menos densa e problemática, mas eixo central do funcionamento do filme

    Lee é casada com Frederick, um pintor excêntrico - mais velho que ela - devotado por inteiro aos seus valores (não questionarei se são ou não aprazíveis socialmente), tudo que ela tem e é deve à ele. Os livros que leu, os filmes que viu, as peças, as pinturas, seu interesse pelo mundo tem o durame cognominado de Frederick. Embora plena intelectualmente, Lee não tem renda, tudo que sabe é conhecimento vazio - ou seja - não há práxi para as teorias e filosofias ali aprendidas e, se houver, a remuneração não seria concernente ao estilo de vida da mesma. Como diria o próprio Woody Allen (no homérico Manhattan) TALENTO É SORTE. Por mais que soubesse - e sabia - não era pintora, nem poeta, nem musicista ou atriz e isso sempre lhe era esfregado (na benditas entrelinhas que vemos no rolo do filme) por Frederick - seu criador. Outra coisa que faltava à bela, interpretada por Barbara Hershey, era uma paixão, a fugacidade, esse ímpeto que ele não encontra nos braços de seu marido e mentor. Sua fragilidade emocional fica mais exposta quando se vê em queda livre, rumo aos braços do marido de sua irmã - a equilibrada e sensata Hannah. Diz se é pouco complicada uma pessoa dessas.

Falei da Barbara Hershey, mas queria - mesmo - era falar da Dianne Wiest, que se não bastasse ser linda pracarai, ainda ganhou o Óscar de atriz coadjuvante, pela interpretação de Holly, a sister ex-viciada. Mas, infelizmente, sua atuação visceral é de uma personagem passional, cheia de fé e nadica de nada racional.

Holly e Mickey: A resiliência do coração

-Annie Hall, em Annie Hall:
"oh, well, la-di-da, la-di-da, la la"

    Eu devia ser proibida de falar desse filme, porque - olha - o povo só me vê falando dele, chegam a associar ele à mim. O fato é que encontramos Diane Keaton em sua melhor forma (inclusive esteticamente, alguém discorda que o estilo tomboy associado à madeixas lisas é a cara de Diane?), toda a juventude e a graça atuavam como catalizadores para o papel ser tão bem vivido. Isto somado ao fato que Woody Allen escreveu a persona Annie Hall baseada na própria Diane Keaton (sobrenome artístico de Diane Hall, ou a Annie para os íntimos - a história bate até nisso), com quem tinha um affaire.
    Annie é uma aspirante a cantora de barzinho, em sua casa vemos seus experimentos (suas fotos, seus livros, suas inspirações) e vemos como a bagunça define nossa protagonista. Annie tem óbvio interesse em Alvie, mas quando tenta impressioná-lo acaba se empolgando e falando algumas bobagens - intercortada por seus risos que são, impressionantemente, naturais. No decorrer dos relacionamento com Alvie, Annie vai ganhando densidade - tanto que depois do término Alvie esfrega na cara de sua criatura que ele é uma espécie de Victor Frankenstein pós-moderno (sim, ele a moldou tal qual se encontra no filme). Conforme a personagens fica mais consistente, percebemos o aumento de suas neuroses e a busca para o alívio dela, Annie é tão intensa que sofre catarse na primeira sessão de terapia (enquanto isso, Alvie caminha para duas décadas de análises que não dão em nada). Annie vai criando certo estranhamento sexual do seu parceiro, o que distancia ainda mais o casal. Muitas são as discussões por nada, que nenhum quer ceder e que Annie Hall está cansada - o que resulta numa separação, com direito a idas atrás da moça (mas que como um bom filme Woody Allen-ano, não resulta em um happy end). A elaboração de Annie, durante todo o filme, cumina numa pessoa que - de tão confusa - nem sabe mais aonde está, mas que está tentando se encontrar
"um brinde à sermos o casal mais foda do universo"

-Renata e Joey, Interiores: 
Joey e Renata: Mágoas e marcas sob a pele das relações familiares

(Uni as duas num só tópico, porque tá ficando grande pra caralho!)
     Joey e Renata são as duas personas que mais se destacam no filme (primeiro filme sério de Woody Allen/ primeiro filme em que ele não dá as caras). Joey, a filha do meio (com cara de filha mais nova e com um corte channel lindíssimo, de treze anos) sempre fora alvo das projeções paternas, Joey foi criada para ser uma grande mulher. Mas Joey cresce e, para o infortúnio do pai, é instável em empregos - não se encaixa/não se encontra. Para Renata, poetisa consolidada no meio, isso é uma glória - pois nutre uma inveja nada fraternal da preferência paterna para com Joey. 
    Renata é casada com Friederick (parece todos os personagens intelectuais de Woody Allen convergem para esse nome), um professor que é um escritor frustrado pela crítica e pelo próprio talento. Renata vê-se sempre num papel condescendente com Fred, que se sente intimidado e menosprezado pelo assentamento da esposa em colunas de revistas/jornais voltadas para poesia. Em certo momento ele assume sua inferioridade - o que é uma premissa para sua infidelidade - mostrada muito discretamente no filme, só quando se tange à seu desejo pela irmã mais nova das três (pois o filme tem como eixo os dramas familiares, o interior, e não narrar os dramas subjacentes). Renata, além do drama conjugal e do constante sentimento de inaceitação paternal, também se rivaliza com a irmã Joey (que, por sua vez, ou não percebe ou finge não perceber o despeito da irmã). Renata encarna uma personagem que finge equilíbrio, mas permanece em ponto de ebulição.
Renata, o complexo de Electra nunca foi tão bem incorpado, porém ela não disputa o pai com a mãe mas, sim, com a irmã: Joey


    Joey é equilibrada, mas isso não significa que esteja contente com seus sucessivos fracassos profissionais - ela tem talento e sabe que tem talento mas não sabe aonde aplicá-lo. A primeira crise de Joey é, em suma, profissional-existencial: Não se aplicar em algo produtivo e rentável leva-a a questionar se realmente sabe fazer algo ou é puro desperdício. A segunda é a crise maternal, Joey nunca se sentiu amada pela mãe - por isso nunca retribuiu o afeto e agora tenta reverter anos de abandono emocional mútuo, ajudando a mãe a se reerguer depois de um divórcio de várias consequências psicológicas. Combinamos as duas crises e vemos porque Joey não se sente preparada para ser mãe: Não quer ter um filho antes de se encontrar e também não quer demandar pouco afeto a criança - assim estragando ele e a si mesmo. Joey tenta ser racional de frente aos dramas familiares, mas parece ser testada a todo momento - principalmente pela irmã Renata.
vicissitudes sob vicissitudes: trama Joey e, sua mãe, Eve

    Duas mulheres fortes, físicas, mentais e - mais assustador - duas mulheres reais, como qualquer uma de nós. Os lixos emocionais que levam consigo, consolidam suas crises e seus excessos intelectivos atenuam. 
em destaque, as figuronas que roubam a cena - por beleza e intelecto.

    A semelhança entre essas mulher é o enovelamento, que deu personalidade aos filmes de Woody. São pessoas totalmente comuns e fáceis de encontrar, mas que se nos encantam pela beleza e inteligência também nos afastam pela complicação interior. Mulheres que, por pensar demais, criam problemas, vivem neles e fazem o precipício se tornar algo puramente sedutor, onde se pensa: Por que não mergulhar? No filme Stardust Memories, uma personagem do filme que Sandy Bates (encenado pelo próprio Woody) dirige resume toda essa gama de mulheres numa frase (que ela fala de si mesma): "Posso parecer fascinante mas eu sou um problema".
   
(A lista é maior, mas essas são as expoentes mais gritantes, da época de ouro de Woody - que os filmes mantinham a primazia e os núcleos eram menores em virtude de explorar mais o perfil pessoal que o coletivo. Claro que devo ter feito vista grossas a diversos personagens, mas já ficou imenso, anyway.)

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